O que aprendi na Startup Weekend Legaltech — Recife

Henrique Bandeira
4 min readSep 2, 2019

Eu gostaria que houvesse, em português, um termo equivalente à expressão inglesa “mind blowing experience” que significa, no nosso idioma, algo “chocante ou surpreendente”, pra definir com fidelidade o conjunto de sensações por que eu passei durante esse evento.

Pra quem não é do mundo da tecnologia ou simplesmente está mais habituado à cultura do universo jurídico, bem hermética e sisuda (por vezes pernóstica), vivenciar um ambiente de criação de startups voltadas ao mundo jurídico, numa atmosfera relativamente descontraída e “disruptiva”, durante um final de semana, foi uma porrada nas estruturas.

Eu digo isso porque a linearidade do raciocínio do operador do direito é algo com que me acostumei a lidar e praticar todo dia e sem enxergar nisso um problema, mas tudo foi posto em xeque (e bota xeque aí) nesse ambiente criativo. Passar um final de semana inteiro se dedicando a realizar um projeto, apto a solucionar problemas reais e de forma criativa, junto com outras pessoas que vc nunca viu na vida? É bem isso mesmo.

Foi interessante ver como “a galera da tecnologia” (que é mais variada do que eu imaginava) nos propôs resolver de várias maneiras os problemas reais (de pessoas reais) que nós encontramos ao longo do fim de semana.

- Vocês estão acostumados a raciocinar de forma linear. Aqui estimulamos vocês a fazer isso de forma exponencial, foi o que ouvi de um mentor. Não poderia concordar mais.

Não raro, víamos que o método que nós tínhamos escolhido inicialmente poderia não ser o melhor e nem o mais eficaz possível pra sanar o problema validado (que é difícil que só de validar, aliás kkk).

Tenho a impressão de que a minha forma de raciocinar e resolver problemas ou “broncas” (como se diz em pernambuquês) vem sendo a mesma desde o jardim da infância: ouço um problema, analiso as soluções possíveis na minha esfera de conhecimento e parto pra ação. “Cabou-se”.

Um exemplo que eu posso dar pra ilustrar essa impressão é a seguinte: o cliente chega ao escritório, relata um problema jurídico e eu, logo em seguida, busco a solução. Se o cliente me conta que o casamento não vai bem: “partiu divórcio”. Se ele ou ela me diz que não se está feliz com o inquilino: “partiu despejo”. Se alguma coisa; outra coisa. E assim por diante.

Portanto, essa é a linearidade sufocante, previsível e conservadora que merece mudança. Há sempre um “relato” e uma “consequência previsível” logo em seguida. Acredito que a própria formação legal é que nos estimula a esse caminho tradicional, conservador, já que, nas nossas cabeças, é bem mais difícil buscar um remédio jurídico para um problema jurídico se aquele não está elencado num artigo de uma determinada lei.

Claro que o advogado não deve, por exemplo, adotar um meio não convencional para algo convencional, porque além de não fazer sentido, é perigoso.

Pra quê inventar uma ideia mirabolante a fim de responsabilizar uma empresa irresponsável por danos ao consumidor, quando há vários meios jurídicos disponíveis para tanto? Obviamente, existem limites para uma ação inovadora e a tão falada “segurança jurídica” justifica um pouco desse conservadorismo, afinal, é o direito do cliente que está em jogo e que nos foi confiado.

Mas e quanto ao campo do marketing, por exemplo? Nós temos na advocacia brasileira a grande limitação de publicidade, sob a justificativa, como diz a OAB, de “evitar a mercantilização da profissão” e a “concorrência desleal”.

É uma ideia massa, concordo plenamente, mas como fazemos pra aparecer num mundo tão competitivo, como o do direito, sem o marketing? É aí onde mora essa criatividade de que precisamos tanto, e eventos como esse são bastante interessantes também nesse ponto.

Validando o problema da linearidade do raciocínio de que nós sofremos (olha aí esse negócio de validação outra vez), foi engraçado ver que três dos grupos da competição (incluindo o meu) apresentaram nos seus pitches soluções bem parecidas para problemas semelhantes: todos em volta das atribulações enfrentadas no dia a dia por nós advogados ou por nossos clientes.

Foi aí que entendi o significado da proposta “disruptiva” que queriam da gente, tal como li na chamada do evento e não tinha entendido muito bem. Só compreendi de fato o que queriam de nós quando vi que os dois primeiros colocados abordaram propostas sociais: um incentivando o (real) acesso à justiça de pessoas em situação de vulnerabilidade e outro estimulando o contato entre advogados e clientes LGBT+, além de um terceiro lugar que almejou incentivar a cooperação entre os próprios advogados, em prol da melhoria do banco de peças jurídicas existentes, que beneficiaria a todos.

A mensagem final para mim, que senti na pele o quanto é difícil pôr em prática um projeto idealizado (e em pouquíssimo tempo, com gente que não conhecia), foi a de que vale a pena demais pôr a cara à tapa e notar que há espaço para a inovação e positividade, mesmo em um campo do conhecimento que, por vezes, parece estático.

Ao contrário do mercado comum, que costuma olhar com desprezo para projetos sociais, a proposta do evento (me pareceu) ser a de revelar como um projeto pode, a um só tempo, dar lucro e agir em prol da sociedade.

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